Maior parceria público-privada (PPP) do país, a criação do Porto Maravilha, em 2009, marcou não só o início da transformação da zona portuária no Rio de Janeiro, mas também o fim de uma proposta de transformação da região com foco na participação social e moradia popular. Dona de mais de 60% dos terrenos na região com potencial de construção, a União era uma peça-chave para a reestruturação urbana da área, e, durante seis anos, o Ministério das Cidades liderou o grupo de trabalho dedicado ao tema. No entanto, mesmo com pareceres técnicos e jurídicos favoráveis, tramitação avançada nos governos municipal, estadual e federal, a proposta de criação de um consórcio público para a reabilitação da área foi descartada para surpresa de quase todos envolvidos no processo.
Em vez dela, foi adotada a atual proposta, cujas principais diretrizes foram elaboradas e executadas pela OAS, Odebrecht e Carioca Christiani Nielsen. São 5 milhões de metros quadrados que englobam três bairros inteiros – Santo Cristo, Gamboa e Saúde – e incluem outros quatro. As empreiteiras se revezam em consórcios naquela área. Além das duas fases do Porto Maravilha, que juntas receberam investimentos de mais de R$ 10 bilhões, as mesmas empresas ganharam outros editais para atuar na região, como as obras do programa Morar Carioca (R$ 32 milhões) e a PPP para operar o veículo leve sobre trilhos, o VLT (R$ 1,1 bilhão).
(…)
“Foi feita uma série de contratos com especialistas para a modelagem de governança e jurídica. Investiu-se cerca de 300 mil reais em consultorias. Em agosto de 2009, estávamos no final do processo”, lembra Renato Balbim, geógrafo e ex-coordenador do Programa de Reabilitação de Áreas Centrais do Ministério das Cidades.
(…)
“Apesar de até então tudo indicar que o consórcio público tinha total aprovação dos três níveis, simplesmente de um dia pro outro percebemos que não iria mais se levar adiante essa modelagem. Foi uma decisão cuja explicação escapa à área técnica”, lamenta Balbim.
É verdade. Por meio da Lei de Acesso à Informação, a Pública obteve um parecer técnico da própria Casa Civil da Presidência sobre o assunto. Datado de 21 de agosto de 2009, o documento recomenda a adoção da modelagem do consórcio público, que havia sido desenvolvida conjuntamente, em longas reuniões, pelo Ministério das Cidades, Ministério do Planejamento, governo do estado do Rio de Janeiro, prefeitura do Rio de Janeiro, BNDES e Caixa Econômica Federal. “Entendemos, salvo melhor juízo, que a figura jurídica do Consórcio Público é uma excelente alternativa para viabilizar os planos de revitalização da zona portuária do Rio de Janeiro”, conclui no documento Leonardo Lima Chagas, assessor técnico da Subchefia de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais da Presidência da República. Não foi o que aconteceu.