A Resolução 281/2023, aprovada em 28 de novembro pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) estabelece que os cidadãos devem se identificar para ter acesso a dados de remuneração de promotores, procuradores e servidores do Ministério Público. A obrigação de identificação do usuário para acessar informações disponíveis prontamente nos sites institucionais representa um grande retrocesso para a transparência no órgão de controle.
Infelizmente, esse não é o único aspecto problemático da Resolução que institui a Política Nacional de Proteção de Dados Pessoais do Ministério Público. O Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas acompanhou, por mais de um ano, a tramitação do texto e buscou ativamente alertar os representantes do CNMP sobre os riscos da proposição para o acesso a informações públicas.
Em agosto de 2022, a coalizão encaminhou ofício para todos os conselheiros do colegiado recomendando a revisão da proposta e solicitando audiências com o conselheiro Paulo Passos, presidente da Comissão de Defesa da Probidade Administrativa do CNMP, e o conselheiro Ângelo Costa, então relator da proposição. No entanto, à época, nenhum dos pedidos de reunião foi atendido.
Diante da falta de diálogo, publicamos uma nota em março de 2023 e reforçamos a solicitação de audiência a Paulo Passos, que não se mostrou disponível para reunião com o Fórum de Acesso. Em julho, contatamos todos mais uma vez e realizamos uma série de audiências nos meses seguintes com os conselheiros: Antônio Edílio, Rodrigo Badaró, Rinaldo Lima, Rogério Varela, Daniel Costa, Jayme Martins, Jaime Miranda e também com Ângelo Costa.
Durante os encontros e em documento encaminhado a cada representante posteriormente, a coalizão argumentou pela supressão integral do art. 178 na proposição, que determina a identificação do cidadão para acesso a informações de remuneração, e revisão dos arts. 139, 140 e 141. Porém, tais artigos foram incorporados com sucesso à redação final (o texto do art. 178 foi realocado para o art. 172).
Submeter o acesso a dados de remuneração à identificação do usuário é absurdo
Como apresentado pelos representantes do Fórum de Acesso aos conselheiros do CNMP, o fundamento para inclusão do art. 178 foi a Resolução nº 215/2015 do Conselho Nacional de Justiça (art. 6º, § 2º). No entanto, a mesma já foi reconhecida inoportuna e revogada pela Resolução nº 389/2021, passando a ser vedado no Poder Judiciário a coleta de dados pessoais como requisito prévio para acesso a dados remuneratórios.
“Ao proibir que os tribunais exijam a identificação do cidadão para acessar informações remuneratórias, o CNJ avançou no cumprimento da Constituição e fortaleceu o accountability do Judiciário. Na contramão, o CNMP ignorou as demandas da sociedade, reduzindo a transparência e a prestação de contas justamente daqueles que têm o dever institucional de fazer cumprir a legislação brasileira”, comenta Bruno Morassutti, advogado e coordenador de Advocacy na Fiquem Sabendo, que integra o Fórum.
Ao mesmo tempo, o CNJ, amparado pela Portaria nº 63/2017, inclusive passou a exigir dos tribunais o envio de informações padronizadas de remuneração de seus membros, divulgando-as à sociedade por meio de um painel de consulta aberto ao público, sem qualquer necessidade de cadastro de usuário ou identificação prévia.
A necessidade de identificação prévia contraria ainda:
- O art. 29, §1º, II e IV e §2º, VI da Lei Federal 14.129/2021, que assegura o acesso e utilização irrestritos de dados de remuneração de agentes públicos;
- O art. 6º, III da Lei Federal 13.709/2018, pois a coleta de dados pessoais do cidadão não é necessária para a execução da política pública de transparência ativa;
- O art. 6º, IX da Lei Federal 13.709/2018, pois, considerando a experiência da prática em outros órgãos, os dados pessoais coletados são utilizados de forma discriminatória, resultando em ameaças aos cidadãos e desestímulo ao controle social.
Por fim, a exigência também resulta em constrangimento ao exercício constitucional do acesso à informação (art. 5º, XXXIII, CF). Acompanhamos, nos anos iniciais de vigência da Lei de Acesso à Informação, casos em que servidores de outros poderes imprimiram perseguição e ameaças a cidadãos obrigados a se identificar para consultas similares.
A ONG Transparência Brasil, membro do Fórum, disse o seguinte em nota: “Causa profunda consternação que o Conselho tenha colocado os interesses corporativos dos membros do Ministério Público acima do princípio da publicidade que rege a administração pública, disposto na Constituição Federal, e ignorado a demanda da sociedade por transparência e accountability da instituição. Tal postura macula o papel que o MP exerce enquanto órgão essencial para a democracia brasileira, e coloca em xeque a sua credibilidade junto aos cidadãos.”