Documentos sobre a prisão e suposta fuga do ex-deputado federal Rubens Paiva, no período da ditadura militar, revelam contradições. Segundo a versão dos dois dossiês escritos pelos militares, na década de 1970, Paiva teria sido resgatado por guerrilheiros durante um tiroteio.
De acordo com grupos de defesa dos direitos humanos, o ex-deputado foi torturado e assassinado pelo Destacamento de Operações de Informações (DOI). O corpo nunca foi encontrado e família somente recebeu o atestado de óbito em 1996.
Os depoimentos dos envolvidos e o laudo pericial do Exército mostram a inverossimilhança da versão dos agentes. Segundo relatório de fevereiro de 1971 da sindicância sobre a "fuga", dois veículos teriam interceptado a equipe do DOI que conduzia o prisioneiro em um carro. Os ocupantes dos dois veículos teriam disparado armas de foto contra os agentes e Paiva teria escapado pela porta esquerda do carro.
Porém, ninguém da equipe se feriu e o lado esquerdo do carro foi o mais atingido, o que impossibilitaria o prisioneiro ter escapado por esta porta sem ser alvejado.
A farsa elaborada pelos militares se deve à repercussão internacional do caso. O extinto Centro de Informações do Exército (CIE) criticou o líder do MDB na Câmara, Oscar Pedroso Horta, por dar entrevista sobre o caso, após reunião do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH). De acordo com a Informação nº 571/71-S/103-CIE, o parlamentar teria violado o Regimento Interno do Conselho por revelar assunto sigiloso.
O relatório da Agência Central do CIE afirma que "a difusão de simples denúncias poderia (…) alimentar a campanha de difamações contra o Brasil". Os documentos estavam guardados no acervo da antiga Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça (DSI-MJ).
Paiva foi preso em sua casa no Rio de Janeiro em 1971, por homens armados que se diziam da Aeronáutica. O ex-parlamentar detido dirigiu seu carro até a prisão. Após o desaparecimento, os militares declararam que o ex-deputado não fora preso.
Porém, o filho do ex-deputado, o jornalista Marcelo Rubens Paiva, explica que a versão inicial foi desmentida devido ao documento, assinado por um oficial, que devolvia à família o carro estacionado na prisão.
A apreensão de Paiva foi motivada por correspondência enviada do Chile pela exilada Helena Bocayuva Cunha.
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Lacunas marcam laudo oficial sobre Rubens Paiva
Documentos revelam fragilidade da versão de que ex-deputado teria sido libertado durante tiroteio
Wilson Tosta
Lacunas e contradições marcam dois dossiês elaborados por militares nos anos 70 para corroborar a sua versão, depois desmentida, sobre o desaparecimento do ex-deputado federal Rubens Paiva – que era seu prisioneiro e, segundo eles, teria sido resgatado por guerrilheiros em tiroteio.
O cruzamento de depoimentos de envolvidos no episódio com o laudo pericial feito pelo próprio Exército, além da análise da perícia, mostra a inverossimilhança das alegações dos agentes e das conclusões da investigação. Os militares alegaram, por exemplo, ter sido cercados por terroristas, que teriam alvejado de curta distância o veículo em que levavam Paiva, mas todos saíram ilesos.
"Como a prisão teve repercussão enorme e houve pressão da imprensa internacional, inventou-se aquela farsa", diz o filho de Paiva, jornalista Marcelo Rubens Paiva, colunista do Estado e blogueiro do site estadao.com.br. Segundo seus familiares e grupos de defesa dos direitos humanos, o ex-deputado foi assassinado sob tortura por militares do Destacamento de Operações de Informações (DOI). O corpo jamais foi encontrado. Só em 1996 sua família recebeu um atestado de óbito.
Segundo relatório de fevereiro de 1971 da sindicância sobre a "fuga", assinado pelo major Ney Mendes, do Quartel-General do I Exército, Rubens Paiva, em 22 de janeiro de 1971, fora levado a indicar uma casa onde poderia estar "elemento que trazia correspondência dos banidos no Chile". "O sr. Rubem (sic) não conseguiu identificar a casa e, ao regressarem (…), o Volkswagen da equipe do DOI foi interceptado por dois outros Volks (…) Estes, violentamente, contornaram a frente do carro do DOI,cujos ocupantes dispararam suas armas de fogo contra a Equipe. Esta abandonou o carro rapidamente, refugiou-se atrás de um muro e respondeu ao fogo. O sr Rubem fugiu pela porta da esquerda (…)."
Laudo feito no mesmo dia mostra que o Fusca foi atingido por 18 tiros. É assinado pelo comandante do Pelotão de Investigações Criminais, primeiro-tenente Armando Avolio Filho; pelo terceiro-sargento perito Lucio Eugênio de Andrade; e pelo comandante do I Batalhão de Polícia do Exército, coronel José Ney Fernandes Antunes.
Além da inexistência de ferimentos na equipe que conduziria o preso – capitão Raimundo Ronaldo Campos, primeiro-sargento Jurandir Ochsendorf e Souza e terceiro-sargento Jacy Ochsendorf e Souza -, os documentos não explicam como Paiva teria escapado pela porta esquerda, lado mais atingido, sem ser, ele mesmo, alvejado – era madrugada. Não aparece nas fotos o muro atrás do qual os agentes teriam se protegido do ataque. Ele também não está no croquis da perícia, que mostra apenas um barranco.
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Documento derrubou versão inicial dos militares
Wilson Tosta
O jornalista Marcelo Rubens Paiva, filho do ex-deputado Rubens Paiva, diz que a farsa para encobrir o assassinato de seu pai, evidenciada em papéis da Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça, foi montada devido a uma falha burocrática dos militares, que derrubou sua versão inicial.
Eles não puderam sustentar o que disseram inicialmente – que o ex-parlamentar não fora preso – por causa de um documento, assinado por um oficial, em poder da mulher de Paiva, Eunice, que também fora presa, devolvendo-lhe seu carro. O ex-deputado, detido, seguira para a prisão dirigindo o veículo, convicto de que seria liberado. A pressa de criar uma nova versão explica as falhas que o dossiê evidencia.
"Quando minha mãe foi solta, 13 dias depois, viu o carro ali", conta o colunista do Estado, que compara a montagem em torno do assassinato do pai à que foi armada para tentar encobrir a morte do jornalista Vladimir Herzog, em 1975. "O oficial que entregou o carro deu um ofício, que assinava. O Exército negava, então, que meu pai tinha sido preso. Quando minha mãe apresentou esse documento para a imprensa, aí montou-se essa farsa."
Outro motivo para a montagem, na opinião de Marcelo, foi a enorme repercussão, até internacional, que o caso Rubens Paiva teve na época. "Foi um ex-deputado federal assassinado", disse. "Ele foi assassinado depois de preso com a mulher e a filha de 15 anos. Até então, a sociedade civil tinha notícia de que os guerrilheiros, os terroristas, eram presos e tal, achavam que era uma luta armada, uma guerra. Mas, de repente, era um ex-deputado, civil, um socialista histórico."
Rubens Paiva foi preso em sua casa, no Leblon, em 20 de janeiro de 1971, por homens armados que se diziam da Aeronáutica. O motivo foi a apreensão de correspondência que lhe fora enviada do Chile pela exilada Helena Bocayuva Cunha, acusada de envolvimento no sequestro do embaixador dos EUA, Charles Burke Elbrick, em 1969. A mensagem levou a repressão a suspeitar que Paiva pudesse saber quem era "Adriano", contato do ex-capitão do Exército Carlos Lamarca, que aderira à guerrilha. Apesar das circunstâncias, o ex-deputado pelo PTB, cassado após o golpe de 64, agiu serenamente. Vestiu terno e gravata e seguiu os militares, dirigindo o carro no qual achava que voltaria para casa.
Segundo informações posteriores, Paiva foi levado para a III Zona Aérea,onde foi torturado. De lá, foi transferido para o Destacamento de Operações de Informações-Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), comandado pelo Exército. Ali, novamente torturado, não resistiu e morreu.
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Procura por ex-deputado irritou Exército
Relatório acusou líder do MDB de causar ”tumulto” na busca de informações
Wilson Tosta
A mobilização para denunciar o desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva, no início de 1971, irritou o Centro de Informações do Exército (CIE), órgão de repressão política do regime militar extinto nos anos 80. Um relatório de sua Agência Central, guardado no acervo da extinta Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça (DSI-MJ), de 19 de março daquele ano, ataca duramente o líder do MDB na Câmara, Oscar Pedroso Horta, por ter dado entrevistas após participar, pela primeira vez, de reunião do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), na qual foi discutido o caso do ex-parlamentar. Segundo a Informação nº 571/71-S/103-CIE, o emedebista teria violado o Regimento Interno do Conselho ao revelar assunto sigiloso e tecer "considerações incriminatórias" ao I Exército.
ATRITOS
No documento, o CIE acusa Pedroso Horta de querer "tumultuar as atividades do Conselho" e reclama que "a difusão de simples denúncias poderia (…) alimentar a campanha de difamações contra o Brasil". O centro afirma que o líder oposicionista queria "criar uma área de atritos entre o governo, explicitamente os srs. presidente da República e ministro da Justiça, e o Exército, afirmando não acreditar que essas altas autoridades possam ser responsabilizadas pelo desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva". Diz ainda que o deputado agiu deliberadamente para apresentar o I Exército "como sonegador de informações à Justiça Militar".
"Nota-se haver propósitos velados da parte do Sr. Pedroso Horta, já anteriormente demonstrados em outras entrevistas, em contestar a Revolução através de provocações sistemáticas ao governo e às instituições