Desde 2009, falar em divulgação do salário e dos benefícios que os servidores públicos recebem é levantar polêmica na certa. Naquele ano, a prefeitura de São Paulo resolveu abrir essas informações na internet, levando sindicatos e associações à loucura e a uma enxurrada de ações judiciais para impedir essa prática.
Dois anos depois, a Lei de Acesso a Informações (LAI) começou a valer e colocou ainda mais lenha na fogueira. Especialmente porque o governo federal tornou obrigatória a divulgação de salários e rendimentos de seus servidores, por meio de um decreto que detalha como a LAI deve funcionar no Executivo federal (ministérios, secretarias especiais, universidades federais, presidência da República etc.).
Foi a primeira regulamentação da LAI, então acabou servindo de modelo para outros órgãos públicos Brasil afora e espalhou a indignação de servidores públicos contra a divulgação de seus vencimentos. Junto com o frenesi, aumentou também o interesse público — e, consequentemente, da imprensa –, sobre esses dados.
De maio de 2012 (quando a divulgação no governo federal virou obrigatória) até hoje, recolhemos aqui no Fórum de Acesso 277 reportagens (entre 1140) sobre a publicação de salários ou com informações conseguidas graças a essa abertura. As histórias mais recentes fazem parte de uma série publicada pelo jornal Zero Hora, do Rio Grande do Sul.
Alguns pontos deixam esse caso especialmente interessante: o primeiro é que o governo gaúcho resolveu divulgar os salários e vantagens só no mês passado, três anos depois de fazer o seu "manual de instruções" sobre como a LAI funcionaria para o Executivo (Decreto 49.111/2012). A transparência, porém, veio cheia de melindres: é difícil encontrar a página para consultar os ganhos dos servidores, e a consulta só pode ser feita órgão a órgão, nome por nome.
Em resumo, quem quiser saber quais são os maiores vencimentos do estado, por exemplo, vai ter que suar a camisa. Ou melhor: teria. Pois o segundo ponto que deixa o caso do Zero Hora interessante é que os jornalistas Cadu Caldas, Cleidi Pereira e Juliana Bublitz pinçaram os dados à unha e colocaram em uma ferramenta de consulta bem mais simples do que a governamental.
Terceiro ponto que merece registro: antes de se dedicar ao garimpo dos dados, os jornalistas tentaram consegui-los todos juntos, em uma planilha que tivesse nomes, cargos, lotação e vencimentos (como o governo federal faz, por exemplo). A resposta ao pedido de acesso a informações feito via LAI foi colocar, naquela página difícil de encontrar, tabelas que têm tudo, menos… Os rendimentos.
Ainda assim, os gaúchos continuam sem poder fazer consultas mais amplas, como o maior rendimento líquido (o valor de fato recebido por uma pessoa) do estado, ou a diferença de rendimentos entre pessoas concursadas e cargos de confiança, ou quanto o estado gasta com seus inativos. O mesmo acontece em outros estados e órgãos e até no Senado Federal, em que a consulta por ganhos de servidores também é burocrática (e ainda rendeu desaforos a um cidadão).
A divulgação ativa (ou seja, sem que ninguém precise pedir) de salários de servidores públicos não é obrigatória, de acordo com a Lei de Acesso. O que determina isso são os próprios poderes e esferas, por meio da tal regulamentação que cada um faz.
Por outro lado, a LAI não proíbe ninguém de pedir acesso a esses dados. E mais: ela diz aos agentes públicos que essa informação tem que ser fornecida — porque, como muitas outras, é de interesse público.
Se isso já não fosse argumento suficiente a favor da divulgação de informações sobre ganhos de servidores públicos, ainda tem uma decisão do Supremo Tribunal Federal com esse mesmo entendimento. Em um processo de algumas associações contra aquela divulgação de nomes e salários feita em 2010 pela prefeitura de São Paulo, o então ministro Carlos Ayres Britto resumiu a história:
Sua remuneração bruta, cargos e funções por eles titularizados, órgãos de sua formal lotação, tudo é constitutivo de informação de interesse coletivo ou geral.
(…) Não cabe, no caso, falar de intimidade ou de vida privada, pois os dados objeto da divulgação em causa dizem respeito a agentes públicos enquanto agentes públicos mesmos (…)
(…) é o preço que se paga pela opção por uma carreira pública no seio de um Estado republicano.
A validade da divulgação de salários de servidores públicos individualmente já é ponto pacífico. A questão é quando os entes públicos entenderão que essa transparência tem de ser completa, sem obstáculos ou jeitinhos.