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24 nov 2015 - por Admin

Artigo: Acesso à informação de interesse público: uma nova fronteira

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Uma nova consequência da regulamentação do acesso a dados públicos parece estar surgindo: as implicações da noção de informação de interesse público em atividades de cunho privado. É o caso da resolução normativa n° 368 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e do projeto Nascer Bem, do Núcleo de Jornalismo de Dados do curso de Jornalismo da Universidade Positivo em parceria com o Livre.jor.

A ANS reconheceu o direito de acesso à informação como parte importante da política de incentivo ao parto normal. E determinou que as informações sobre taxas de cesáreas e partos normais sejam entregues aos clientes. Tudo porque o Brasil é recordista mundial de cesáreas. Em média, a taxa de parto cirúrgico na Europa é de 20% a 22% e nos Estados Unidos de 32,8%. No Brasil esse índice é de 53,7%, mas chega a 84% na saúde suplementar. Além do nosso país apenas o Chipre tem média superior a 50%.

Conseguir os dados, no entanto, não é simples. Em grupos de gestantes nas redes sociais os relatos de quem teve dificuldade para fazer cumprir a portaria são frequentes. Os serviços de atendimento ao cliente não estão preparados para lidar com essas solicitações e criam dificuldades desnecessárias para registrar os pedidos, como é possível notar no relato abaixo:

"Entrei em contato com meu plano para solicitar as taxas dos médicos conveniados aqui de Recife. Foi tanta dificuldade. Inicialmente a atendente disse que eu teria que informar CRM ou CPF dos médicos e CNPJ dos estabelecimentos. (…) Eu disse: então tudo bem, ficamos aqui até amanhã. Disse a ela o nome de todos os credenciados aqui em Recife. Tempo de duração da ligação: 01 hora e 07 minutos"

O projeto Nascer Bem surgiu dessa necessidade de facilitar o acesso aos dados prometidos pela resolução da ANS. Num primeiro momento, alunos do Núcleo solicitaram essas informações para os planos se identificando como jornalistas. As empresas, com exceção de apenas uma, se recusaram a divulgar os dados, alegando proteção à privacidade dos profissionais.

O grupo, então, encontrou clientes das empresas que concordaram em pedir essas informações junto ao serviço de atendimento. Mesmo assim, várias empresas se recusaram a informar os dados e duas enviaram apenas o percentual de partos, e não os totais. Até o momento o projeto contabiliza a obtenção de dados de quatro planos privados de saúde em Curitiba, com informações sobre mais de 300 médicos. A esses índices foram somados os dos profissionais que atendem o Sistema Único de Saúde na capital paranaense. O resultado está disponível no site nascerbem.redeteia.com.

Desde que entrou no ar o projeto atraiu elogios e críticas. As mais contundentes vieram dos profissionais cujos índices estão no site. “O critério científico que ela (a jornalista) apresentou tem validade zero”, criticou o presidente da Associação de Ginecologia e Obstetrícia do Paraná (Sogipa), Almir Urbanetz, em entrevista ao Paraná Portal. O médico se refere ao fato do aplicativo contar com informações apenas dos anos de 2013 e 2014.

Na mesma reportagem Urbanetz informou que vai pedir à reitoria da Universidade Positivo, que sedia o projeto, o fechamento do site. Outros pedidos semelhantes foram feitos por email ou via recados para a coordenadora do projeto, a professora Rosiane Correia de Freitas. Há inclusive a expectativa de que a discussão acabe nos tribunais, uma vez que há a intenção da Sogipa de acionar juridicamente a professora e seus alunos.

Se for o caso, o que a Justiça vai discutir é até que ponto há proteção do direito à privacidade a atividades de interesse público, como é o caso da medicina. A ANS, em manifestação enviada a um dos participantes do projeto Nascer Bem, confirmou a obrigação dos planos em fornecer os dados totais e percentuais de partos realizados pelos médicos credenciados a gestantes e não gestantes.

Se a Justiça ou o Estado brasileiros confirmarem a natureza pública dos dados de atendimento médico o país não será o único a tomar essa medida. Em 2013 o NHS (o SUS britânico) divulgou as taxas de mortalidade dos cirurgiões ingleses, uma medida que o Secretário de Saúde daquele país, Jeremy Hunt, chamou de "revolucionária". "Tornar públicas essas informações não vai só melhorar o atendimento aos pacientes, vai literalmente salvar vidas", afirmou em entrevista ao The Telegraph.

No Brasil, muito embora os planos de saúde sejam entidades privadas, eles complementam o Sistema Único de Saúde. Em 2014 a ANS e o Ministério da Saúde realizaram um mapeamento inédito dos ressarcimentos feitos pelos planos ao SUS e das notificações de casos de usuários do sistema privado que recorreram ao atendimento público. Os dados mostram que entre 2008 e 2012 o maior número de procedimentos feitos no SUS para clientes de planos privados foi de partos. Foram, no período,  96.223 partos normais e 72.291 cesáreas.

Esse é apenas um dos indícios de que não é uma questão local, restrita ao Paraná. É sobre cidadania plena, então é urgente que a sociedade decida sobre isso.


Rosiane Correia de Freitas, jornalista, professora e coordenadora do Núcleo de Jornalismo de Dados do curso de Jornalismo da Universidade Positivo

José Lázaro Júnior, jornalista do Livre.jor

Luis Izalberti, graduando de jornalismo e integrante do Núcleo de Jornalismo de Dados da UP

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