Certa vez, ao compartilhar com um amigo a profunda irritação causada por vírgulas em lugares indevidos de textos, ele reproduziu a frase de uma professora do primeiro grau, que ele carregava como mantra para evitar os deslizes: "Vírgula não é orégano, que a gente coloca o quanto quiser, de acordo com o nosso gosto. Há regras para usar."
O mesmo vale para a restrição de acesso a informações produzidas e armazenadas pelo Estado: sigilo não é orégano, que os agentes públicos podem colocar o quanto quiserem, de acordo com seus gostos e interesses. Um mote que deveria ser internalizado pelos agentes públicos brasileiros, em especial pelos paulistas.
Sigilo não é orégano, para ser usado de acordo com gostos próprios
Em uma semana, dois casos de exagero na classificação de documentos como sigilosos pelo governo de São Paulo vieram à tona e revelaram [ironia proposital]apenas uma amostra de como o Estado ainda não entendeu a parte da Lei de Acesso a Informações Públicas segundo a qual o sigilo tem de ser exceção.
Na terça-feira (6.out.2015), a Folha de S.Paulo mostrou que o Metrô paulista havia colocado uma extensa lista de informações sob o grau mais alto de sigilo permitido pela LAI: ultrassecreto, válido por no mínimo 25 e no máximo 50 anos.Setenta e quatro documentos ficariam fora do alcance da população e da imprensa por pelo menos um quarto de século, de itens banais como vídeos institucionais do Metrô a relatórios de acompanhamento de obras e de fiscalização — cuja divulgação ativa, ou seja, sem necessidade de que alguém as peça, é obrigatória.
Entre as informações classificadas como ultrassecretas, estavam algumas cuja divulgação ativa é obrigatória
Na última terça-feira (13.out.2015), o iG revelou que a Sabesp também restringiu o acesso a informações relativas à sua atividade-fim. Foi mais modesta do que a empresa de transporte metropolitano e imprimiu o grau mais baixo de sigilo aos documentos: reservado, válido por apenas 15 anos. Não torna, porém, a prática menos lastimável do que a primeira.
Não é segredo [trocadilho intencional] que há muito o governador Geraldo Alckmin carrega a alcunha de picolé de chuchu, por ser — dizem — tão insosso quanto o legume. Talvez seus subordinados tenham achado que alguns sigilos ajudariam a temperar o governo. Erraram na dose.
São apenas amostras: há, potencialmente, casos ainda mais non-sense. Especialmente se considerarmos que, em 14 dos 27 Executivos estaduais e distrital, a lista de agentes que podem classificar informações como ultrassecretas inclui os respectivos comandantes da Polícia Militar, além do governador, vice e secretários estaduais. Nesses estados, 9 Executivos incluem também o comandante do Corpo de Bombeiros e o delegado-chefe da Polícia Civil no rol.
Com tanta gente habilitada a usá-lo, o mais alto grau de sigilo sobre documentos públicos é qualquer coisa menos excepcional.
Três Executivos sequer regulamentaram a Lei de Acesso, ou seja, não determinam quais agentes públicos podem e quais não podem classificar informações como sigilosas. A indefinição também coloca em risco o uso moderado do sigilo.
Os mecanismos existentes na LAI para a preservação de algumas informações foram criados para reduzir ao mínimo necessário a restrição de acesso a documentos públicos. Apenas aqueles cujo conteúdo de fato têm potencial para provocar danos ao bem e ao interesse coletivos devem ser resguardados e por tempo determinado.
Lamentavelmente, esses mecanismos têm sido usados por governos (especialmente o paulista) para manter informações a salvo do escrutínio público, na tentativa de preservá-los das repercussões negativas de ações parcas ou porcas em áreas essenciais como transporte e fornecimento de água.
Ao mesmo tempo, os governos (especialmente o paulista) se esquecem de que a LAI exige transparência sobre o procedimento de classificação de documentos como sigilosos. E, por meio do trabalho de jornalistas atentos, expõe esses governos a uma repercussão ainda mais negativa do que a que se pretendia evitar, obrigando-os a manobras de recuo embaraçosas.
Sigilo não é orégano. E, às vezes, pode ser pimenta: no dos outros, é refresco.
Marina Iemini Atoji é secretária-executiva do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas e gerente-executiva da Abraji, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo