Documentos sigilosos
Familiares de desaparecidos no período da ditadura militar e especialistas defendem o fim do sigilo eterno sobre doumentos, durante seminário no Espírito Santo sobre anistia.
►Reportagem publicada em 22.ago.2011 em A Gazeta
Feridas podem ser abertas, alegam os defensores do sigilo eterno dos arquivos da ditadura militar. Esquecem, ou ignoram, que outras tantas marcas ainda não foram sequer fechadas.
Com o pai desaparecido desde outubro de 1975, Orlando Bonfim Neto faz um apelo em defesa da abertura dos arquivos secretos. Para ele, uma maneira de saber o que realmente ocorreu com Orlando Bonfim Júnior, seu pai, um dos capixabas participantes dos movimentos contra a ditadura militar e preso político.
"Esses arquivos têm que ser abertos. É um direito da sociedade que não pode ter sua história negada. As famílias ainda aguardam o direito de enterrar o corpo de pais, mães, filhos. Essa é uma peça fundamental da história do Brasil que não pode ser omitida".
Anistia
Essa também é a opinião do professor de História do Brasil, Vinícius José Simões, palestrante no Seminário "Anistia e Justiça de Transição". A discussão, segundo explicou o professor, deve ser iniciada na Lei da Anistia, o perdão geral.
"Mas como perdoar aqueles que, para o Estado, não cometeram crimes?", questionou Simões. Ele afirmou que o Estado perdoou a si próprio, anistiando torturadores que não responderam a processos e, portanto, na visão oficial, nem cometeram crimes. Abrir os arquivos permitiria justamente saber quais foram os delitos cometidos e por quais militares. Como está hoje, a ônus fica sobre toda a corporação.
"É preciso que o governo reconheça que houve um crime para que as pessoas sejam anistiadas. Praticar tortura, matar, desaparecer com alguém, não era permitido pela legislação, mesmo na ditadura".
História
Simões ainda destacou a importância histórica do fato, que deve servir de exemplo para "que nunca mais aconteça".
A Lei da Anistia, promulgada em agosto de 1979 no governo de João Figueiredo, ainda durante a ditadura militar, estabelecia o perdão de mão dupla.
Mas várias entidades de defesa dos direitos humanos, familiares de perseguidos, mortos e desaparecidos políticos, apoiam a tese de que a lei não se encaixa aos torturadores, visto que o país é signatário de vários documentos da Organização das Nações Unidas, segundo os quais a tortura é um crime comum e imprescritível.
Sigilo eterno
Os senadores e ex-presidentes da República Fernando Collor (PTB) e José Sarney (PMDB) já saíram em defesa do sigilo eterno.
Tramita no Congresso Nacional um projeto que estabelece novas regras para os prazos de sigilo. Os documentos ficariam reservados por cinco, 15 ou 25 anos, dependendo de como forem classificados. Hoje arquivos ultrassecretos ficam em sigilo por até 30 anos, mas o prazo pode ser renovado indefinidamente.
O novo texto, porém, enfrenta resistências. "Eu tenho muita preocupação que hoje nós tenhamos a oportunidade de abrir questões históricas que devem ser encerradas para frente no interesse nacional", disse Sarney ao jornal "Folha de São Paulo".
Fórum será instalado amanhã
Durante o Seminário Anistia e Justiça de Transição, organizado pelo Ministério da Justiça e Ordem dos Advogados do Brasil que ocorre amanhã no auditório da Rede Gazeta, será lançado o Fórum Direito à Memória e à Verdade, integrado por organizações não-governamentais e instituições públicas.
As reuniões do Fórum vão ocorrer quinzenalmente para recolhimento de material e em apoio à instalação da Comissão da Verdade, em Brasília.
Com legislação federal, a Comissão levará a consequente abertura dos documentos secretos da ditadura para toda a população.